Bruno Semenzato, diretor geral da SMZTO, compartilha os aprendizados e experiências como líder do principal grupo de investimentos em franquias do país, durante uma crise sem precedentes.
Por Bruno Semenzato
Hoje estamos no dia 70 de isolamento social, algo que eu jamais imaginei que escreveria sobre. Durante esses dias muito intensos, em todos os sentidos, venho refletindo sobre vários pontos que gostaria de compartilhar aqui. O fato de eu ter experimentado na própria pele o que é pegar o covid-19 e ter vivenciado algumas etapas da doença, certamente aprofundou essas reflexões.
Menos é mais
Uma das minhas principais reflexões nessa crise é que precisamos de muito pouco para viver. No escritório, reduzimos tudo ao mínimo essencial, eliminando inúmeros gastos desnecessários. Nas empresas, priorizamos as iniciativas que geram o maior retorno, eliminando diversos projetos “inúteis”. Na vida pessoal, estamos usando 1/10 das coisas que carregamos conosco. Estamos buscando o simples, a essência. Muitos de vocês devem ter tirado a mesma conclusão: quanta coisa não essencial nós carregamos conosco o tempo todo. O princípio de Pareto, que sugere que 80% do nosso resultado vem de 20% das coisas que fazemos, nunca foi tão citado.
Já pararam para pensar que agora, mais do que nunca, as pessoas não estão vendo o carro, as jóias, os sapatos que usamos? Este exercício de ficar totalmente isolado, certamente incomoda mais as pessoas que se preocupam excessivamente com as coisas materiais e com a aparência. Essa busca pela essência que estamos todos experimentando, na minha opinião, tem um poder enorme. O simples é muito melhor do que o complexo.
Escolher o que não fazer é muito mais importante do que dizer sim o tempo todo. Ter foco é basicamente dizer não para a maioria das oportunidades que aparecem o tempo todo, para conseguir executar o que se acredita poder gerar o maior resultado possível. Mas fazer o simples, pensar o tempo todo no 80/20 de Pareto, não é tão fácil assim. Talvez porque valorizamos quem faz algo muito mais do que quem deixa de fazer. Raramente ouço alguém me dando os parabéns por não ter feito algo. O mundo está totalmente conectado e cada vez mais somos bombardeados de informações (na maioria das vezes irrelevantes) e oportunidades (na maioria das vezes ruins). Portanto, priorizar o que realmente importa, o tempo todo, é um dos grandes aprendizados que podemos levar desse momento tão desafiador.
O home office sempre funcionou?
Pouca gente sabe que Alexander Hamilton (1755-1804), uma das figuras mais relevantes para a história dos EUA, ajudou a escrever a constituição, fundou o primeiro banco e a marinha, foi o primeiro secretário do tesouro, foi General do exército, estudou Direito e indiretamente liderou o país por vários anos. Tudo isso sem WhatsApp, Zoom, televisão, internet ou carro. Fez tudo isso através de cartas e algumas reuniões presenciais. Quando não estava no campo de batalha, estava sozinho lendo ou escrevendo – algo que facilmente poderíamos chamar hoje de home office. Talvez foi ele quem inspirou o Benchimol, da XP, a tomar as medidas recentes – não é pra menos.
Será que não estamos demorando muito para aceitar inovações óbvias? Será que não estamos presos no pensamento de que o que deu certo ontem continuará dando certo amanhã? Será que não estamos atrasados na tão falada, mas pouco compreendida, transformação digital? Talvez o excesso de ferramentas e informações que acessamos hoje torne ainda mais difícil, ou pelo menos não necessariamente agilizem esses processos evolutivos.
Isso me faz pensar que a maior parte da evolução e da inovação dependem muito mais da energia, da capacidade de execução e do mindset das pessoas, do que da tecnologia em si. A tecnologia é simplesmente um meio. O Zoom serve a mesma função que a carta escrita à mão da época de Hamilton. Pensar diferente, testar mais, criar um ambiente seguro para os erros, estar mais aberto a mudanças, são potenciais lições que essa crise pode deixar. Porém, sendo hiper-realista, não acredito que muitos carregarão esses aprendizados. Nós temos uma dificuldade inerente em sair da nossa zona de conforto. Na maioria das vezes estamos mais preocupados em ter razão do que em alcançar um melhor resultado para todos. De qualquer forma, os aprendizados estão aí, e a solução na maioria das vezes é mais simples e mais óbvia do que imaginamos.
Nunca desperdice uma crise (Winston Churchill)
Em momentos de crise nos tornamos muito mais abertos a mudanças. Tente implementar qualquer melhoria em uma empresa que já está indo bem e você vai ver que é infinitamente mais difícil do que mudar as coisas onde está tudo dando errado. Por isso, momentos como esse trazem oportunidades únicas.
Oportunidades para tomarmos medidas que antes eram inviáveis ou no mínimo seriam extremamente criticadas (como ficar até o final do ano trabalhando de casa). Talvez não tenhamos tanto espaço para reformas por anos, talvez décadas. Portanto, não desperdice uma crise só pensando em soluções de curto prazo. Apesar de ser um momento profundamente triste, que nos trouxe consequências devastadoras, ele também pode ser visto como muito especial para reformas de longo prazo.
O verdadeiro trabalho em equipe
Já pararam para pensar no que essa crise trouxe para nossas vidas em termos de colaboração? Eu nunca vivenciei tantos ambientes com tanta colaboração ao mesmo tempo. De repente, empresas começaram a trocar informações que antes pareciam sigilosas demais, times que mal se falavam começaram a se ajudar, famílias que pouco interagiam começaram a trabalhar em equipe. Hoje, estamos vendo os resultados do verdadeiro trabalho em equipe, com projetos que antes levavam meses sendo entregues em dias. Mas como vamos manter essa energia alta dos times, das empresas, em casa, quando a crise passar?
Apesar de parecer o nosso normal, essa colaboração pode facilmente desaparecer no pós-crise e acredito que cabe a nós refletir sobre a importância dela. Será que uma missão tão clara quanto a que temos hoje, de combater o covid-19, também temos em nossas empresas, ou até mesmo em nossas vidas? Isso me faz pensar muito sobre o “golden circle” de Simon Sinek.
Para ele, antes de pensar em como fazemos e no que fazemos, devemos sempre pensar antes no porquê fazemos. Por que estamos brigando pelo que brigamos? Por que nossa empresa existe? Essa missão está clara para nossos consumidores? Em uma pandemia como essa, quando todos estão lutando contra algo em comum, a colaboração atinge níveis altíssimos. Esse é um dos principais desafios de qualquer líder – fazer todos remarem o barco na mesma direção, o tempo todo. Essa colaboração precisa ser mantida. Ela traz o ganha-ganha para a mesa, que para mim é a base para o sucesso no longo prazo. Acredito muito que essa é a evolução de como fazemos negócio. Esse jeito sincero, transparente, mais ético, colaborativo, muito acelerado por essa crise global, veio para ficar.
Ainda sobre a colaboração, fico pensando se o covid-19 é o primeiro inimigo que deveríamos nos unir para combater. É a primeira vez que voluntariamente quase todo mundo passou a usar máscaras, se isolar dos mais velhos quando doente, se preocupar mais com a saúde física e mental (nunca vi tantas medidas preventivas como agora), de uma maneira geral pensar no próximo, no impacto que cada atitude tem para o próximo. Será que não deveríamos combater outros “inimigos” da mesma forma? O covid-19 é o “What” e não o “Why”. Nós estamos lutando juntos porque ele mata, mas certamente existem muitas outras coisas que também matam. Deixo o resto para a imaginação de vocês.
Fale mais com seus avós
Recentemente li um livro chamado “Antifrágil”, de um economista bem sucedido chamado Nassim Nicholas Taleb. Ele me fez refletir muito sobre a incansável tentativa de todos de prever o futuro ou de dizer ao próximo o que fazer (com tanta certeza). Será que ao invés de tentar acertar as previsões não deveríamos estar mais focados em aprender com os que já passaram por situações adversas parecidas?
Nas primeiras semanas fiquei acompanhando as notícias de hora em hora. Pensei que isso pudesse me ajudar a tomar decisões melhores. Hoje, não aconselho isso a ninguém. Além da falta de conselhos produtivos e de um guia prático do que não fazer, acabamos expostos a uma quantidade excessiva de informações irrelevantes ou até mesmo falsas. Segundo Taleb, o papel da previsão é basicamente limitado aos videntes, enquanto o papel do aconselhamento, do que fazer (ou melhor, do que não fazer), é dos profetas. Essa reflexão me fez ouvir mais os mais velhos, os mais experientes, os avós.
Acredito muito que a experiência de quem já viveu algo na pele é infinitamente mais rica do que uma mera previsão. Essa reflexão é válida não só para momentos de crise, mas para qualquer momento. Talvez devêssemos nos atentar menos aos ruídos e mais aos conselhos que possam trazer a inspiração que tanto precisamos ao longo de nossa jornada. Afinal, aqueles que fazem previsões não tem nada a perder. Nada acontece com eles se eles errarem. Será que eles estão mesmo se certificando de que a mensagem que nos passam todos os dias, com tanta convicção, é mesmo correta e útil?
Desejo a todos muita saúde, muita garra e muita união neste momento desafiador.